terça-feira, maio 02, 2006



Leonardo da Vinci (1452-1519) morreu em 2 de Maio de 1519.
Considerado um modelo do homem ideal do Renascimento, foi arquitecto, escultor, músico, escritor e engenheiro, tendo ainda manifestado o seu génio em domínios como a matemática, a física, hidráulica, ciências naturais, aerodinâmica e astronomia. Elaborou projectos que, em grande parte dos casos, esperaram séculos antes de serem concretizados como o carro de assalto, o submarino, o planador, etc. O seu ideal era o mesmo de todos os homens do Renascimento: atingir a verdade através da observação e da experiência, desprezando o "saber livresco" do passado.
Nasceu em 1452, na pequena aldeia italiana de Vinci. Criado pelos avós, desde criança deu mostras de um talento invulgar resolvendo difíceis problemas de matemática e engenharia, mas os seus desenhos eram ainda mais promissores. Sob a orientação de Verrocchio, um dos principais pintores e escultores de Florença, estudou escultura, engenharia e pintura, domínio onde viria a conquistar um lugar inconfundível no panorama do Cinquecento italiano. Para além de ser um dos primeiros italianos a usar o óleo com mestria, conseguindo um acabamento de primeira qualidade, possuía uma técnica pessoalíssima na distribuição da sombra e da luz, envolvendo as suas figuras numa penumbra subtil através do sfumato, um processo que confere à pintura grande suavidade e mistério. Este carácter misterioso é muitas vezes acentuado pelas estranhas paisagens que servem de fundo aos seus quadros.
Muitas das obras que pintou ficaram inacabadas. Leonardo tinha mesmo fama de não entregar as encomendas pois, logo que resolvia o problema de uma composição, ou experimentava uma técnica, perdia o interesse pela obra e partia para novo desafio.





Uma das suas pinturas mais conhecidas é "A Ceia" do refeitório de Santa Maria delle Grazie, em Milão. O artista procurou dar a ilusão de que o aposento onde se passa a Ceia é uma espécie de extensão do refeitório, cujos muros laterais são prolongados pelas paredes apresentadas na pintura. Toda a composição está centrada na figura de Cristo - perfeitamente destacada na claridade da grande janela do centro - cuja cabeça se encontra exactamente no ponto de convergência das linhas das paredes e do tecto. O próprio frontão circular que sobrepõe a dita janela, tem por finalidade chamar a atenção sobre a divina figura.
O pintor escolheu o momento dramático em que Jesus acaba de dizer: "um de vós me atraiçoará" e procura captar as reacções de cada um dos Doze com uma subtileza psicológica sem precedentes. Os apóstolos exteriorizam a perturbação provocada por aquelas palavras através de gestos que revelam espanto, angústia, indignação, protesto e incredulidade. Nas extremidades reina uma calma relativa, porque ainda não se aperceberam das palavras do Mestre, mas a intensidade dramática aumenta à medida que a cena se aproxima da figura de Jesus, cuja serenidade contrasta com a agitação dos discípulos. Só Judas compreende o significado exacto daquelas palavras e, sentindo-se descoberto, todo o seu corpo revela inquietação, perfeitamente exteriorizada no brusco recuo da figura e na mão que aperta nervosamente a bolsa.
Leonardo da Vinci sintetiza, nesta obra, uma das qualidades que, no seu entender, deveria caracterizar a pintura: "A figura mais louvável é aquela que, pela sua acção, melhor revela os estados de alma" . Mas o artista considerava também que "uma boa pintura é aquela onde se cria a ilusão da terceira dimensão". Concretizou essa ideia, por exemplo, em "A Virgem dos Rochedos", uma obra de que se conhecem duas versões.





Modeladas pela luz, as quatro figuras surgem perante os nossos olhos em relevo, como se possuíssem três dimensões, apesar de estarem desenhadas numa superfície plana. As atitudes foram escolhidas com cuidado e os gestos das mãos criam uma ligação entre os personagens, estabelecendo a unidade do grupo. Também podemos observar aquele tipo feminino de rosto amendoado e queixo pequeno, algo misterioso e enigmático, de olhar baixo e meio sorriso, tão comum em Leonardo, além do não menos característico dedo que parece apontar para além do que é visível.
Algumas destas qualidades repetem-se na "Mona Lisa" ou "Gioconda", provável retrato de Lisa del Giocondo, a esposa de Francesco del Giocondo. Envolvida por uma paisagem fantástica, a figura de meio corpo encontra-se voltada a três quartos e tem as mãos cruzadas sobre o espaldar de uma cadeira. O rosto amendoado corresponde ao tipo feminino acima descrito, enquanto o sorriso enigmático e o olhar, marcado por uma leve melancolia, procuram traduzir um subtilíssimo estado de alma.
Adquirida pelo rei de França, Francisco I, esta obra fez parte da decoração do quarto de Napoleão, tendo sido depois incluída no recheio do Museu do Louvre, onde ainda se encontra. Isto apesar de ter sido roubada, em 1911, por um italiano que a pretendia restituir a Florença. Ao longo de muitas gerações, tornou-se objecto de um verdadeiro culto, tendo sido copiada vezes sem conta, mas, ao mesmo tempo, foi caricaturada e sofreu muitos ataques por parte dos vanguardistas do séc. XX, pelo seu papel simbólico de máximo expoente de uma arte tradicional. Malevitch riscou com duas cruzes uma reprodução e o dadaísta Marcel Duchamp colocou-lhe bigodes e uma sigla irreverente (L.H.O.O.Q.), que em francês se lê foneticamente "Elle a chaud au cul" (Ela tem calor no rabo). Outra pintura famosa, "A Virgem, o Menino com o Cordeiro e Santa Ana", resume praticamente as grandes inovações da pintura do Primeiro Renascimento: uso da perspectiva e terceira dimensão, conquista do volume, naturalismo do fundo e estrutura em forma de pirâmide. A composição parece ainda matematicamente elaborada segundo determinadas linhas-força: os braços da Virgem e do Menino situam-se num plano oblíquo, contrabalançado por outro em que se inscrevem as patas do cordeiro, o tronco da Virgem e do Menino, o braço e pés de Santa Ana.
Finalmente, a técnica do sfumato confere ao conjunto aquela suavidade e ar de mistério tão característicos das obras de Leonardo.

Alfredo Saldanha