segunda-feira, maio 08, 2006



Em 8 de Maio de 1903 morreu o pintor francês Paul Gauguin (1848-1903). Iniciou a sua actividade artística com os pintores impressionistas mas, no Verão de 1886, abandonou Paris e foi viver na aldeia de Pont-Aven (Bretanha), onde começou a desenvolver o Sintetismo ou Pintura Sintética, uma doutrina pictural caracterizada pela utilização de grandes superfícies de cores vivas e lisas, e pela simplificação das formas, geralmente delimitadas por fortes contornos a preto, técnica que ficou conhecida por Cloisonnisme.



A "Visão Após o Sermão", também conhecida por "A Luta de Jacob e do Anjo", constitui a realização mais notável da nova teoria. No plano de fundo deste quadro trava-se a luta entre o Anjo e Jacob. Um tema do quotidiano - mulheres a sair de uma igreja - foi aqui combinada com uma cena sobrenatural. Toda a simbologia da composição é dada pelas formas simplificadas e pela cor plana que caracterizam as artes primitivas. A fé simples dos aldeões inspirou-lhe também "Cristo Amarelo", onde a figura do Redentor, tal como a mostram os calvários bretões, aparece a um grupo de mulheres. Em ambos os casos, não procurou reproduzir a realidade, mas estados de espírito. Na verdade, as superfícies de cores irreais, como o vermelho do fundo ou das copas das árvores, pretendem transmitir um ambiente sobrenatural e uma atmosfera visionária, com as figuras de Cristo ou de Jacob e o Anjo surgindo como uma aparição.

Cansado da civilização europeia, e ansioso por encontrar a pureza original e primordial, partiu em Abril de 1891 para o Tahiti, onde se instalou numa zona de floresta virgem, na companhia da jovem Tehura. Nas obras que então produziu, empenhou-se em retratar a população nativa e as suas vivências. Os próprios títulos, em língua maori, assumem um valor linguístico semelhante ao das imagens e revelam até que ponto o artista se inseriu na cultura indígena. Essas telas, de formas estilizadas e cores puras e vibrantes, para além de se enquadrarem no espíritosimbolista do seu autor, reflectem uma concepção pictórica que, pela sua novidade e audácia, se encontra na origem de certas tendências da arte moderna como o Fauvisme e o Expressionismo.



O sonhado "paraíso selvagem" de Gauguin está, de certo modo, representado no mundo isterioso de "Arearea" (na imagem), "Quando Te Casas?" ou em "Ta Matete", e em muitos outros uadros nos quais procurou sublinhar a oposição entre o mundo civilizado e a autenticidade primitiva que o autor perseguiu ao longo de quase toda a sua existência.
Durante uma curta estada em Paris (de 1893 a 1895), tentou conquistar os franceses para a magia das ilhas do Pacífico Sul, através de uma exposição que teve lugar na galeria Durand-Ruel. Mas a sua arte não correspondia ao gosto do público e a crítica acusou-o de apresentar a realidade primitiva de um modo brutal e de violar os princípios mais elementares do desenho.
De novo no Tahiti, iniciou um período em que os problemas de saúde e o agudizar das eternas dificuldades económicas o conduziram a um grande desalento, reflectido nas obras que então produziu. A ideia do suicídio começou então a persegui-lo, mas uma grande força anímica ainda lhe permitiu transmitir uma última mensagem através da obra "De onde vimos? O que somos? Para onde vamos?".



Neste trabalho, de inspiração tipicamente simbolista, formulou a questão angustiante da vida e o significado profundo do amor e da morte, ou seja, as grandes interrogações existencialistas que a Humanidade desde sempre tem colocado a si mesma e às quais tem dificuldade em dar resposta. Depois deste "testamento" tentou envenenar-se com arsénico, mas a dose foi excessiva e o veneno foi rejeitado pelo estômago. Em 1901 mudou-se para uma ilha das Marquesas, em busca de um lugar ainda mais primitivo e, dias antes de morrer, em Maio de 1903, recebeu uma carta do seu amigo Monfreid onde se podia ler, a determinado passo: "...o senhor é um artista fascinante e misterioso que envia do Oceano Pacífico as suas obras confusas, mas inigualáveis. São criações de um grande homem... o senhor goza da imunidade dos Grandes, entrou definitivamente na História da Arte."

Alfredo Saldanha